“Nem só de pão viverá o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus” (Mateus 4.4)
No texto bíblico em referência, Jesus nos remete à consideração de que os homens não têm apenas de alimentar o corpo físico.
Há o clamor da alma, que não se contenta somente com o trigo; ou seja, com o alimento material. Existem perguntas que insistem em atravessar os séculos em busca de respostas. É o lado espiritual do homem reivindicando o seu espaço no tempo, em meio às diversas culturas e sociedades. A história da religião acompanha a história da sociedade. Onde estiver o ser humano, aí estará, igualmente, a religião.
O sentido da vida e da morte está relacionado a indagações religiosas antigas que, em nossa época, se mostram influentes e vigorosas, ainda que se apresentem por meio de símbolos secularizados. Em verdade, a religião é constituída de símbolos utilizados pelos homens, mas os homens são diferentes e, consequentemente, seus mundos sagrados também, e, por conta disso, suas religiões são distintas. Os símbolos são variados: altares, santuários, comidas, perfumes, amuletos, colares, livros... E todos eles inspiram alguma forma de sagrado, um sagrado que não se reflete apenas nas coisas, mas também em gestos, expressões e ações, como, por exemplo, o silêncio, os olhares, as renúncias, as canções, as romarias, as procissões, as peregrinações, os milagres, as celebrações, as adorações e, até mesmo, o suicídio. Edmund Burke chegou a dizer que o homem, em sua constituição, é “um animal essencialmente religioso”.
Apesar disso, como sabemos, não foram poucos os que profetizaram a decadência e a extinção do sagrado entre os homens. Que crente jamais se indignou com a famosa declaração de Karl Marx: “O sofrimento religioso é, ao mesmo tempo, expressão de um sofrimento real e protesto contra um sofrimento real. Suspiro da criatura oprimida, coração de um mundo sem coração, espírito de uma situação sem espírito: a religião é o ópio do povo”. Esta é uma das definições de religião, mas foi assiduamente combatida, e não é a única.
Vejamos outras.
Definições e classificações da religião
O vocábulo português “religião” é oriundo do latim religare, que significa “religar”, “atar”. Alguns cristãos se opõem frontalmente à classificação do cristianismo como religião baseando-se em sua supremacia e distinção em relação às demais crenças. Mas, ao agirmos desta forma, estamos, na verdade, criando a nossa própria definição do termo, cujo significado é inaceitável para os dicionaristas e enciclopedistas, pois acabamos apresentando definições incompletas em si mesmas. Assim sendo, independente desta discussão filosófica e do posicionamento que o leitor defende, é válido considerarmos alguns conceitos do que seria uma religião. A saber:
• Religião é um sistema qualquer de ideias, de fé e de culto, como é o caso da fé cristã.
• Religião é um conjunto de crenças e práticas organizadas, formando algum sistema privado ou coletivo, mediante o qual uma pessoa ou um grupo de pessoas é influenciado.
• Religião é um corpo autorizado de comungantes que se reúnem periodicamente para prestar culto a um deus, aceitando um conjunto de doutrinas que oferece algum meio de relacionar o indivíduo àquilo que é considerado ser a natureza última da realidade.
• Religião é qualquer coisa que ocupa o tempo e as devoções de alguém. Há, nessa definição, um quê de verdade, já que aquilo que ocupa o tempo de uma pessoa é geralmente algo a que ela se devota, mesmo que não envolva diretamente a afirmação da existência de algum ser supremo ou seres superiores. E a devoção encontra-se na raiz de toda religião.
• Religião é o reconhecimento da existência de algum poder superior, invisível; é uma atitude de reverente dependência a esse poder na conduta da vida; e manifesta-se por meio de atos especiais, como ritos, orações, atos de misericórdia, etc.
A partir destas tentativas de definição, podemos nos atrever a classificar as religiões em tipos de acordo com a similaridade de suas crenças. Especialistas no assunto destacam pelo menos dez classes de religiões. Mas, como o leitor perceberá, há casos em que a distinção é mantida por uma linha muito tênue, o que faz que surja certa mistura de conceitos (tipos) em uma única religião. De fato, os tipos de religiões mesclam-se em qualquer fé que queiramos considerar, e, geralmente, as religiões progridem de um tipo a outro ao longo de sua trajetória. Assim, os vários tipos de religiões alistados a seguir não são necessariamente contraditórios ou excludentes entre si.
Acompanhe:
Religiões animistas. Sistemas de crenças em que entidades naturais e objetos inanimados são tidos como dotados de um princípio vital impessoal ou uma força sobrenatural que lhes confere vida e atividade.
Religiões naturais. Pregam a manifestação de Deus na natureza, e, geralmente, rejeitam a revelação divina e os livros sagrados. Segundo seu pensamento, toda e qualquer revelação à parte da natureza não é digna de confiança.
Religiões ritualistas. Enfatizam as cerimônias e os rituais por acreditar que estes agradariam as divindades. Tais ritos e encantamentos teriam o poder de controlar os espíritos, levando-os a atuar para o bem ou mal das pessoas.
Religiões místicas. São também revelatórias, porém, seus adeptos acreditam na necessidade de contínuas experiências místicas como meio de informação e crescimento espiritual. Os místicos regem sua fé pela constante e diligente busca da iluminação.
Religiões revelatórias. Na verdade, seriam uma espécie de subcategoria das religiões místicas. Este grupo de religiões fundamenta-se nas supostas revelações da parte de deuses, de Deus, do Espírito, ou de espíritos desencarnados que compartilham mistérios que acabam cristalizados em livros sagrados.
Religiões sacramentalistas. São grupos que têm nos sacramentos meios de transmissão da graça divina e da atuação do Espírito de Deus. Estas religiões, geralmente, acreditam que o uso dos sacramentos por meio de pessoas “desqualificadas” impede a atuação do Espírito de Deus. Os sacramentos constituem-se em veículo para promoção do exclusivismo.
Religiões legalistas. São construídas sob preceitos normativos, algum código legal que deve governar todos os aspectos da vida de um indivíduo. Este código é usualmente concebido como divinamente inspirado. O bem é prometido aos obedientes e a punição aos desobedientes.
Religiões racionais. Neste grupo, a razão recebe ênfase proeminente e a filosofia é supervalorizada. A razão, segundo acreditam, seria algo tão poderoso que nada mais se faria necessário além de seu cultivo bem treinado e disciplinado.
Religiões sacrificiais. Pregam a salvação por meio de sacrifícios apropriados. O cristianismo é uma religião sacrificial, no sentido de que Jesus Cristo é reputado como o autor do sacrifício supremo necessário à salvação. A suprema palavra do Senhor declara: “E quase todas as coisas, segundo a lei, se purificam com sangue; e sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb 9.22).
"Nem só de pão viverá o homem"
Todos estes princípios de crenças sustentam, cada qual à sua maneira, a religiosidade do mundo em que vivemos. Não foram poucas as declarações de filósofos e intelectuais que vislumbraram o desaparecimento destes sistemas. Mas eis que a religião ainda persiste, manifestando-se de diversas formas, em todos os lugares e coisas, em pleno século XXI, tão forte e influente quanto a mais recente descoberta científica. Por quê? Porque o homem não vive só de pão, mas também de religião. É justamente ela (a religião) quem se candidata a responder ao “drama da alma humana”, o traço magno de todo interesse espiritual. Um mundo caído sem religião não é concebível.
Em sua famosa canção, “Imagine”, o célebre cantor e compositor John Lennon nos convida a imaginar um mundo ideal, sem coisas ruins (entre as quais ele destaca as religiões), propõe um mundo em que as pessoas pudessem viver em paz e sugere a religião como fonte incentivadora das guerras. Em verdade, não há como negar que o abuso das atitudes religiosas produziu sangrentas guerras entre nós. Entretanto, temos de ponderar que as guerras não nasceram das convicções religiosas, mas, sim, do comportamento errado diante delas, o que é diferente.
Se os homens são tão ímpios com religião, o que seriam sem ela?
Não é possível desfazer-se das religiões simplesmente tentando ignorá-las. É por isso que, nas matérias que seguem, convidamos os leitores a um passeio panorâmico pelo mundo das religiões.
Fonte: http://www.icp.com.br